Com 12 semanas
de gestação, Joana (nome fictício) foi infectada pelo vírus zika. Sua
cidade, no interior da Bahia, registrou um surto da doença em março de
2015. Na 30ª semana, um ultrassom morfológico mostrou que o feto tinha
graves lesões cerebrais, como dilatação dos ventrículos (cavidades),
calcificação e microcefalia.
Diante do
prognóstico de uma vida de muita limitação, ela o marido decidiram
interromper a gravidez. O obstetra particular que a atendia desde o
início da gestação indicou um outro colega para fazer o procedimento.
No consultório,
foi aplicada uma injeção de cloreto de potássio no coração do feto. Com
o diagnóstico de “óbito fetal”, Joana foi levada a um hospital privado.
Lá recebeu medicação para induzir o parto normal. Dois dias depois, ela
recebeu alta.
A história foi
relatada à Folha pelo obstetra de Joana. “As lesões cerebrais eram
gravíssimas, a criança teria sérios problemas físicos e mentais. Eles
[Joana e o marido] não se arrependeram da decisão”, diz o médico, que
não quer ser identificado.
Também na
condição de anonimato, outros dois obstetras que atuam na rede privada
de Pernambuco e Paraíba relatam situações parecidas. Os casos configuram
crime contra a vida. A gestante pode sofrer pena de detenção de até
três anos. Já os médicos podem ser condenados a reclusão de até quatro
anos, além de perda do registro profissional.
Para
especialistas, casos de feticídio (morte provocada do feto) por
microcefalia podem estar ocorrendo de forma isolada e clandestina.
“Pessoas que têm recursos e acesso à assistência podem fazer o aborto,
como já fazem em outras situações, até para síndrome de Down. Mas
ninguém fica sabendo. Para quem tem dinheiro no Brasil, as leis são
diferentes”, afirma o ginecologista Olímpio de Moraes, professor na
Universidade de Pernambuco.
CASOS
Segundo o
último boletim do Ministério da Saúde, há 3.174 casos suspeitos da
microcefalia em recém-nascidos de 684 municípios de 21 Estados. Existem
38 óbitos de bebês sendo investigados. O Ministério da Saúde diz que
esses óbitos se referem a bebês que nasceram vivos e morreram depois.
Informa ainda que desconhece casos de abortos legais ou ilegais em razão
de microcefalia.
Para sete
especialistas ouvidos pela Folha, o aumento de casos de microcefalia
deverá reacender o debate sobre a ampliação do aborto legal no país para
outras situações de más-formações graves.
O Código Penal
permite o aborto em casos de estupro e de risco à vida da mãe. Em 2012, o
Supremo Tribunal Federal autorizou a interrupção da gravidez de
anencéfalos (fetos sem cérebro) sob o argumento de que os bebês não
sobrevivem fora do útero.
Segundo o
obstetra Cristião Rosas, delegado do Cremesp (Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo), há várias síndromes genéticas
incompatíveis com a vida, como Edwards e Patau, que merecem o mesmo
tratamento jurídico dado aos casos de anencefalia. “Muitos juízes já
autorizam o aborto nesses casos, mas são decisões individuais, dependem
de cada um.”
Uma dessas
decisões foi a do juiz Jesseir de Alcântara, de Goiânia, que autorizou o
aborto de um feto de 25 semanas com a síndrome de Edwards, doença que
causa uma série de más-formações. O juiz considerou a morte “certa” e
que não haveria procedimento médico capaz de corrigir as deficiências
desenvolvidas pelo feto.
Para o advogado
Paulo Leão, procurador no Rio de Janeiro e membro do Movimento Brasil
sem Aborto, interromper a gravidez no caso de microcefalia ou em
qualquer outra má-formação é “inaceitável sob todos os pontos de vista”.
“É eugenia.”
Folha de S. Paulo
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